13 Janeiro de 2010
A noite de ontem foi a coisa mais extraordinária de minha vida. Deitado do
lado de fora da casa onde estamos
hospedados, ao som das cantorias religiosas que tomaram lugar nas ruas ao
redor e banhado por um estrelado e
maravilhoso céu caribenho, imagens iam e vinham. No entanto, não escrevo
este pequeno texto para alimentar a
avidez sádica de um mundo já farto de imagens de sofrimento.
O que presenciamos ontem no Haiti foi muito mais do que um forte
terremoto. Foi a destruição do centro de um país
sempre renegado pelo mundo. Foi o resultado de intervenções, massacres e
ocupações que sempre tentaram
calar a primeira república negra do mundo. Os haitianos pagam diariamente
por esta ousadia.
O que o Brasil e a ONU fizeram em seis anos de ocupação no Haiti? As casas
feitas de areia, a falta de hospitais, a
falta de escolas, o lixo. Alguns desses problemas foram resolvidos com a
presença de milhares de militares de todo
mundo?
A ONU gasta meio bilhão de dólares por ano para fazer do Haiti um teste
de guerra. Ontem pela manhã estivemos no
BRABATT, o principal Batalhão Brasileiro da Minustah. Quando questionado
sobre o interesse militar brasileiro na
ocupação haitiana, Coronel Bernardes não titubeou: o Haiti, sem dúvida,
serve de laboratório (exatamente,
laboratório) para os militares brasileiros conterem as rebeliões nas
favelas cariocas. Infelizmente isto é o
melhor que podemos fazer a este país.
Hoje, dia 13 de janeiro, o povo haitiano está se perguntando mais do que
nunca: onde está a Minustah quando
precisamos dela?
Posso responder a esta pergunta: a Minustah está removendo os escombros
dos hotéis de luxo onde se hospedavam ricos
hóspedes estrangeiros.
Longe de mim ser contra qualquer medida nesse sentido, mesmo porque, por
sermos estrangeiros e brancos, também
poderíamos necessitar de qualquer apoio que pudesse vir da Minustah.
A realidade, no entanto, já nos mostra o desfecho dessa tragédia – o povo
haitiano será o último a ser atendido, e se possível. O que vimos pela
cidade hoje e o que ouvimos dos haitianos é: estamos abandonados.
A polícia haitiana, frágil e pequena, já está cumprindo muito bem seu
papel – resguardar supermercados destruídos
de uma população pobre e faminta. Como de praxe, colocando a propriedade
na frente da humanidade.
Me incomoda a ânsia por tragédias da mídia brasileira e internacional.
Acho louvável a postura de nossa fotógrafa
de não sair às ruas de Porto Príncipe para fotografar coisas destruídas e
pessoas mortas. Acredito que nenhum de
nós gostaria de compartilhar, um pouco que seja, o que passamos ontem.
Infelizmente precisamos de mais uma calamidade para notarmos a existência
do Haiti. Para nós, que estamos
aqui, a ligação com esse povo e esse país será agora ainda mais difícil
de ser quebrada.
Espero que todos os que estão acompanhando o desenrolar desta tragédia
também se atentem, antes tarde do que
nunca, para este pequeno povo nesta pequena metade de ilha que deu a luz
a uma criatividade, uma vontade de viver e uma luta tão invejáveis.
Otávio Calegari Jorge (IFCH/UNICAMP)
A noite de ontem foi a coisa mais extraordinária de minha vida. Deitado do
lado de fora da casa onde estamos
hospedados, ao som das cantorias religiosas que tomaram lugar nas ruas ao
redor e banhado por um estrelado e
maravilhoso céu caribenho, imagens iam e vinham. No entanto, não escrevo
este pequeno texto para alimentar a
avidez sádica de um mundo já farto de imagens de sofrimento.
O que presenciamos ontem no Haiti foi muito mais do que um forte
terremoto. Foi a destruição do centro de um país
sempre renegado pelo mundo. Foi o resultado de intervenções, massacres e
ocupações que sempre tentaram
calar a primeira república negra do mundo. Os haitianos pagam diariamente
por esta ousadia.
O que o Brasil e a ONU fizeram em seis anos de ocupação no Haiti? As casas
feitas de areia, a falta de hospitais, a
falta de escolas, o lixo. Alguns desses problemas foram resolvidos com a
presença de milhares de militares de todo
mundo?
A ONU gasta meio bilhão de dólares por ano para fazer do Haiti um teste
de guerra. Ontem pela manhã estivemos no
BRABATT, o principal Batalhão Brasileiro da Minustah. Quando questionado
sobre o interesse militar brasileiro na
ocupação haitiana, Coronel Bernardes não titubeou: o Haiti, sem dúvida,
serve de laboratório (exatamente,
laboratório) para os militares brasileiros conterem as rebeliões nas
favelas cariocas. Infelizmente isto é o
melhor que podemos fazer a este país.
Hoje, dia 13 de janeiro, o povo haitiano está se perguntando mais do que
nunca: onde está a Minustah quando
precisamos dela?
Posso responder a esta pergunta: a Minustah está removendo os escombros
dos hotéis de luxo onde se hospedavam ricos
hóspedes estrangeiros.
Longe de mim ser contra qualquer medida nesse sentido, mesmo porque, por
sermos estrangeiros e brancos, também
poderíamos necessitar de qualquer apoio que pudesse vir da Minustah.
A realidade, no entanto, já nos mostra o desfecho dessa tragédia – o povo
haitiano será o último a ser atendido, e se possível. O que vimos pela
cidade hoje e o que ouvimos dos haitianos é: estamos abandonados.
A polícia haitiana, frágil e pequena, já está cumprindo muito bem seu
papel – resguardar supermercados destruídos
de uma população pobre e faminta. Como de praxe, colocando a propriedade
na frente da humanidade.
Me incomoda a ânsia por tragédias da mídia brasileira e internacional.
Acho louvável a postura de nossa fotógrafa
de não sair às ruas de Porto Príncipe para fotografar coisas destruídas e
pessoas mortas. Acredito que nenhum de
nós gostaria de compartilhar, um pouco que seja, o que passamos ontem.
Infelizmente precisamos de mais uma calamidade para notarmos a existência
do Haiti. Para nós, que estamos
aqui, a ligação com esse povo e esse país será agora ainda mais difícil
de ser quebrada.
Espero que todos os que estão acompanhando o desenrolar desta tragédia
também se atentem, antes tarde do que
nunca, para este pequeno povo nesta pequena metade de ilha que deu a luz
a uma criatividade, uma vontade de viver e uma luta tão invejáveis.
Otávio Calegari Jorge (IFCH/UNICAMP)
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